Faz cinco horas que o sol mudou de lado no céu.
Escuto um estrondo de trovão na porta e um chamado:
-Ei, você aí!
Quando olho, vejo a minha cachorra me olhando com uma cara de reprovação.
-Que que foi,heim, Dalila?
-Você tá sentada aí há um tempão!Sabe que horas são?
-Sei.Cinco horas.Desde quando você tem noção de hora,sua cachorra esquisita?
-Heim?Sei lá, mas tá na hora de caminhar!Você sempre sai pra passear essa hora, vamos você não tá fazendo nada mesmo.
-Quem te disse isso?Eu tô estudando, não tá vendo?
-Mentira!Vamos passear!Vamos!Vamos!Vamos!
Ela se joga contra a porta.
-Eu vou arrombar a poooorta!Vamos!
-Cacete, como você é insistente, cachorra!Tá,tá bom, vou me arrumar.
Enquanto eu calço os tênis, Dalila invade o quarto como um raio.
-Quer ajuda pra colocar?Ela morde os cadarços.
-Não, obrigada!Eu aprendi a fazer isso sozinha já.Por que você não vai buscar a sua coleira?
-A porta daquele armário não foi projetado para patas, dentes ou narizes.
-É que vocẽ abre com a mão.
-Fica meio difícil pra mim,então,né?
Vergonha da minha patetice.
-Tá, eu pego.
Ela corre na minha frente e quando eu abro a porta do armário, ela pega a coleira, balança de um lado pro outro,enlouquecida.
-Nem acredito que nós vamos passear, nem acredito!Coloca logo, coloca assim,ó, em volta do meu pescoço!Ai, não aperta muito,não!Não,não, sua chata!Ah, que saco!Me dá aqui, eu coloco!
-Dalila!Volta aqui, sua louca, você não sabe colocar nada!Do jeito que você fala, nem parece que a gente passeou ontem.Você não tem memória,sua retardada?
-Só pro que me convem.
-Safada.
Saímos e mal chegamos na esquina,a cachorra já está com um metro de língua pra fora tentando me acelerar.
-Porra,Dalila, precisa puxar tanto?Que pressa, aonde você tem que ir correndo desse jeito?
-Na esquina.
-Oou, porque?
-Vai me dizer que você nunca viu ali na esquina aquela casa cheia de gatinhos?Eles são tão fofinhos!
-Que lindo seu amor por gatos,Dalila!
-Aposto que eles ficam bem mais fofinhos na minha boca. (Ignorou meu comentário).
-Vamos passar quietinhas por ali,sim?Ali mora um vizinho chato.
-Tá brincando, Fernanda?Tem quatro cachorros ali!Eu preciso fazer o social, abanar um rabo,sabe como é,né.Daqui a pouco eu tô velha e eu não tõ a fim de ficar acabada e solteirona que nem você.Então, dá licença!Vamos correr!
-Ei, eu tenho namorado!E eu não sou velha!
-Não é velha?Tá maluca, garota?!Você tem 24 anos!Fico impressionada por você ainda não usar fraldas geriátricas!
-O tempo passa diferente pros humanos,oi?
-Que desculpa esfarrapada.
-Eu, por um acaso, notei um tom de desdém na sua voz, sua cadela?
-EU?Tsc,imagina.Você que é uma neurótica,sua humana!
-Isso não é um xingamento, otária.Hahá!
-Tem certeza?
-Hum, droga.Sei lá, talvez.Depende do ponto de vista.Considerando que animais conseguem viver em harmonia em seu habitat natural e controlam o equilíbrio da Natureza através do sistema de cadeia alimentar e os seres humanos só degradam seu ambiente, colocando em perigo a própria existência no planeta Terra explorando fontes de energia não-renováveis, que são motivo de querelas diplomáticas, guerras e boatos de armamento de destruição nuclear em massa, chamar alguém de humano poderia ser um xingamento.
-Isso sem falar que somente um ser humano atingiria um nível de neurose tão grande a ponto de encetar um diálogo imaginário com seu cão.
-Óquei, depois dessa nós vamos pra casa.
Um narrador: Dalila e Fernanda caminham todo dia na ciclovia do bairro, da padaria até o posto de gasolina. enfrentando o tráfego pesado ao lado, no cair da tarde.Nem sempre é assim, mas há suspeitas de que a poluição excessiva possa ter alterado seus padrões de comportamento.
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2 comentários:
hahahha.. mas venhamos e covenhamos, msm c td transtorno é tão bom passar um tempinho c o bixinho da gente! bjks
Não tinha comentado nesse texto ainda. PRECISAVA vir aqui dizer uma coisinha: "Wuf!". Pronto! hahaha =P
Amo, amo e amo! (L)
N.
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